domingo, 21 de setembro de 2008

Crítica Ubumáquina II

(por Macaco verde n°9)

Com um prólogo em que se apresentam definições do próprio espetáculo, Ubumáquina parece usar o termo neodadaísmo como conclusivo, constituindo-se no conceito do trabalho.
A revolução que as vanguardas históricas ocorridas na Europa na virada do século XIX para o século XX causaram na arte é motivo mais do que plausível para que se tente constantemente repensá-las com o intuito de resolver impasses de criação e, com isso, inovar no campo artístico. O pensamento renovador que permeava todas essas correntes concomitantes deve sempre vir à tona para que a arte não fique estagnada em um status quo irrefletido. Por isso, se utilizadas como necessidade propulsora, não são meros modismos suas revisões, revisitações e novas versões. Se estudadas fora de seu contexto, porém, as vanguardas perdem seu sentido e se tornam fórmulas atemporais, despidas de sua dialética histórica. Suas resoluções formais, componentes essencialmente ontológicos, são características de um movimento particular e irreprodutível. São moldadas, com técnicas próprias de seu tempo, a partir de seu conceito primordial. Este, como eixo central, também diz respeito, por sua vez, a questões específicas de uma época. Embora as técnicas e tecnologias estejam em constante evolução, tornando-se muitas vezes obsoletas, certas formalizações organizacionais pouco mudaram neste último século, e é por isso que o espírito de muitas das vanguardas históricas ainda é atual. Torna-se mister, no entanto, pensar se suas resoluções ainda são as melhores para veicular suas idéias hoje.
O dadaísmo, uma dessas vanguardas, surgiu, acima de tudo, como uma forma de estupidificação da burguesia. Questionando o racionalismo e a falta de sentido da guerra (vazios e absurdos que, não só nas guerras, se fazem presentes ainda hoje), fazia os burgueses lidarem com o limite de sua compreensão do mundo. Exemplificam-se, aí, os ready-mades de Duchamp. Objetos retirados de seu contexto original, sem ressignificação, eram expostos com a intenção de que a burguesia dispendesse seu esforço em achar um sentido inexistente (informação que não havia no programa da exposição antidadaísta do artista em São Paulo).
Podemos pensar em uma versão moderna desta vanguarda ao compreendermos o trabalho do grupo Oficina. Como numa espécie de neodadaísmo, o diretor da companhia, Zé Celso, buscou em suas últimas encenações uma estupidificação da burguesia, através da grande quebra de tabus morais que envolvem o sexo. Seus espetáculos eram como grandes rituais dionisíacos, dos quais por diversas vezes o público era convidado a participar e onde desfilavam símbolos freudianos, passando por cima de hipocrisias sociais e revelando o instinto mais intrínseco da carne.
Pensando por esta via, pode-se perguntar o que há de dadaísmo em Ubumáquina. O texto original de Alfred Jarry (a peça montada é uma adaptação), vinculado ao surrealismo, outra dessas vanguardas, aproximava-se do dadaísmo na época em que foi escrito (última década do seculo XIX), em virtude do impacto que podiam causar suas personagens alegóricas em relação ao mundo burguês e sua aparente falta de lógica (esta vanguarda, prezando pelo acaso como componente criador, assemelhava-se àquela, defensora do livre fluxo de idéias). Hoje, não cria o mesmo efeito (tampouco a adaptação). As resoluções são comuns aos dois movimentos, mas não contemplam mais o espírito dadaísta. O que se encontra, então, com este espírito no espetáculo? A questão erótica, que só aparece superficialmente no figurino sensual das atrizes e nos movimentos de mera sugestão sexual do Pai Ubu e da Mãe Ubu? Nas relações de poder que, mal aparecem, já são abandonadas? Nas atualizações do texto, que fazem referências a pessoas e corporações questionáveis sem criticá-las propriamente, mas abraçando-as no enredo da peça? Nas artimanhas vis que quase não são vistas, já que as personagens parecem mais se divertir com o coro amorfo do que agir? Nos inumeráveis adereços e objetos de cena, numa época em que a hipertrofia da visualidade é o leitmotiv dos grandes shows de massa?
Talvez haja procedimentos dadaístas (o acaso pautando as construções), mas seu conceito parece estar longe desta encenação.
Essa necessidade de buscar o novo sem se ter uma base sólida (construir para desconstruir) parece ser uma constante no CAC. Há a habitual cobrança da pesquisa, da geração do novo, de “neos” e “pós” (que, quando aplicadas ao tempo, não fazem nenhum sentido, pois, mesmo com uma chamada visão de futuro, mesmo apontando para futuro, mesmo imbuídos desse espírito de futuro, somos pessoas de nosso tempo, contemporâneos uns dos outros), mas pouco disso é pela necessidade de achar novos meios para expressar algo que não é possível de ser concretizado com as técnicas que conhecemos. Pouco se pensa na relevância do que se faz e no diálogo disto com o mundo. Muito se faz voltado para o próprio umbigo, para satisfazer o desejo egóico de virtuosismo. Triste é esquecer que arte é a forma compartilhada das inquietações do artista, expressão mais legítima de seu pulsar. É, antes de se saber como dizer, uma descoberta do que dizer. Mas o CAC continua achando que a arte não precisa partir do artista, impondo peças para os diretores dirigirem e ver quem alcança o melhor resultado. É a tentativa de mais um néo que nosso departamento concretiza: a néo pièce-bien-faite.

9 comentários:

Anônimo disse...

Néo tem acento, é?

Anônimo disse...

Não, embora isoladamente, por ser um prefixo e não uma palavra, possamos tomar a liberdade de acentuar. De qualquer modo, no jornal foi corrigido e publicado sem acento. Veja lá. A versão aqui do blog foi postada em primeiríssima mão, antes das correções e de alguns cortes.
De todo modo, três textos que saíram no papel não passaram pela revisão. No próximo número (e nas próximas postagens do blog), isso não deverá acontecer.

Ju Bueno disse...

Parabéns ao macaco verde!

Anônimo disse...

Obrigado!

Anônimo disse...

pra que serve uma crítica?
e uma "crítica" como essa?

Anônimo disse...

Não sei, você sabe?
Só que a pergunta fica melhor assim:
"qual a utilidade do teatro?
e de um "teatro" como esse?"

Anônimo disse...

Eu sei pra que serve banana. Quer que te conte?

Anônimo disse...

Leia meu livro "A função da crítica". Se você faz teatro, por favor inclua como merchandising no seu espetáculo, que tá difícil de vender. Grato.

Anônimo disse...

Que mico!