segunda-feira, 20 de outubro de 2008

Olhar externo: Reações Adversas e Ato sem Palavras I - Formas, meios e espaços (ou um título genérico pra falar do tudo e do nada)

Por Fabrício Muriana, editor da Revista Bacante (WWW.bacante.com.br)

Que delícia é imaginar que o texto que escrevo estará impresso num jornal, com textura, peso, cheiro e materialidade. Imagino-o entre os dedos do leitor que agora se depara com esse deslumbrado que vos escreve. É claro, eu também aprendi a escrever com papel e caneta, mas me acostumei tanto com teclados e a virtualidade falsa da internet que vai ser curioso ver um texto meu publicado num jornal. Não dá pra dar CTRL+C nem CTRL+V (ok, no blog você consegue, mas aqui não). Pense bem na apropriação imediata: a poesia implícita nos diversos usos que esse jornal ganhará, no exato momento em que perder seu valor de uso. Pense no vendedor de bananas da feira, que trabalhou duro pro filho japonês poder estudar e entrar na "USPE" e que vai usar esse jornal como mais um embrulho pros seus clientes. Ou no catador que vai vender essas palavras impressas por kg. Imagine a quantidade de origamis que poderíamos fazer com uma tiragem completa do jornal. Citando Bete Dorgam, que por sua vez cita uma mestra sua sobre a melhor técnica pra fazer origami: escuta papel, escuta papel!.

Mas suponhamos que você tenha passado do primeiro parágrafo. Pois bem, vamos conversar então sobre as duas peças que estiveram em cartaz nos dois teatros do CAC (ou seriam os dois teatros da EAD? Ou dos dois? Sempre me confundo). Reações Adversas do lado esquerdo, Ato Sem Palavras do lado direito (olhando de frente, não perca o referencial). O primeiro, um TCC de alunos do CAC apresentado às 19h. O segundo, trabalho final de uma turma da EAD (com três assistentes de direção se formando pelo CAC) às 21h. Em comum, ambos não usam palavras (descontada uma sercretária eletrônica pouco expressiva) e estiveram em cartaz na Shangri-la universitária de São Paulo.

Quando falamos das diferenças, aí a lista é bem mais longa. Começando pelo lado esquerdo, vejo em Reações Adversas tudo que há de melhor e pior em projetos universitários. A radicalização de uma forma que só tem contexto na própria academia e a desconexão entre essa forma e qualquer referencial macro-político e histórico. Veja bem, é sempre bom repetir, não quero normatizar. Ao mesmo tempo que vejo uma busca da quebra daqueles referenciais que estabelecem um indivíduo - com ações repetidas por quatro atores, embaçando a idéia de foco, protagonista, curva da narrativa - ainda assim é impossível dissociar essa "experiência" da casca que nos envolve: uma hora de trânsito pra chegar; se for domingo, sem transporte pra voltar; montagem no palco italiano (ou elizabetano? na usp isso sempre me confunde). O que do trabalho nos aponta para uma investigação contemporânea, perde potência pelo invólucro institucionalizado. Talvez pra mim (de novo, pra mim) a proposição de experiência só se complete num espaço que não seja tão cheio de narrativas quanto a Universidade de São Paulo, nossa Brasília paulistana. Talvez a mesma apresentação, num espaço com menos dispersão do olhar, com mais proximidade do público, trouxesse a experiência desejada. Talvez seja o caso de não encarar a pesquisa como acabada, mas como iniciada. Empreender a busca fora dos muros ultra-protetores da USP. Talvez.

Parêntesis: na internet, em todos os textos, no momento em que os redijo, parece que já estou em diálogo. O meio obriga essa postura. 101% dos textos têm pontos incompreensíveis e mal contextualizados. Pra essas dúvidas, estão lá os comentários. Quase pedi pra você, leitor, deixar seu relato nos comentários. O jornal é mais autoritário, nesse sentido. Ainda bem que tem sempre a próxima edição. Voltando à programação normal...

Na EAD o buraco é mais pro lado. Há que se encarar qualquer obra a partir de onde se parte e, vamos falar um pouco do que todo mundo cochicha: como fugir da forma EAD? Ah, você não sabe qual é a forma EAD? Então pense numa turma de aproximadamente 20 alunos, os quais estudam somente interpretação (o que não é pouco). Não se esqueça, é uma formação técnica, como aquele de telecomunicações que eu fiz e não terminei, em que se pode ser técnico e estar habilitado a exercer uma profissão (!). Um projeto de formação que se foi com o ideário modernista, mas que persiste pelo status de uma formação gratuita, em que encontramos os mestres no bem-fazer. Mais do que no CAC, vendo de fora, a EAD faz o papel das Belas-Artes européias do início do século XX: antítese das vanguardas. E a razão disso pra mim (de novo), é o fato de esse ideário modernista estar presente nas montagens de forma muito clara. Pegando as recentes que pude conferir: Amor e Restos Humanos, Prepare seu Coração, Orgasmatron e Ato Sem Palavras, não há perigo de tensão de linguagem. Porque todos os alunos têm que aparecer em cena, porque os textos são todos de "autores consagrados" e a espinha dorsal de qualquer dos trabalhos, porque as direções, por mais que generosas, não são suficientemente colaborativas e porque são montadas sempre no mesmo teatro. Dentro dessa perpectiva pouco otimista, Ato Sem Palavras é a montagem, entre as quatro, que mais dá conta de colocar estranheza. Ao montar o Beckett revezando atores no primeiro momento e improvisando no segundo, o texto perde a autonomia de vetor de todas as forças. Os atores têm suficiente liberdade para propor um jogo que poderia até prescindir do texto, mas que acaba instituindo-o como parâmetro (mesmo para ser quebrado em alguns momentos). Claro que esse caleidoscópio de olhares interessa muito mais que o Beckett ipsis litteris. As variações, o ator que erra, a diacronia que se torna sincronia, a impossibilidade de uma leitura única, tudo isso torna o encontro com o público bem mais potente do que aquele texto encenado no início por apenas um ator, com algumas triangulações forçadas. Fica, no entanto, uma sensação de mero exercício, por conta da desconexão com outros elementos da peça, como cenografia e figurino. Esses, parece que saíram daquele kit-beckett, que todo mundo deve comprar na mesma loja (a Beckett's) na hora de montar o irlandês ou é uma grande coincidência.

O resultado desse texto é uma frustração. Tanto tempo pensando em como propor formas diversas também no jornal do CAC, vejo-me produzindo um texto que não consegue deixar de lado os julgamentos. Aqueles mesmos que a Bárbara Heliodora fazia há mais de 50 anos ou na última edição d'O Globo. Acho que preferiria mandar só uma seqüência de links ou algum vídeo do youtube. Há algo de velho nessa forma, que, não sei bem, pode ser que esteja relacionado com o que há de museológico nas formas dos espetáculos criticados. Enfim, se não servir de nada o diálogo, sempre nos resta o origami.

Um comentário:

Fabrício Muriana disse...

Só um adendo aqui pros leitores da crítica no blog: se você já leu, não podia. Portanto, sublime as palavras da cabeça, copie o texto e cole no word, clique em imprimir e não se esqueça de colocar papéis na impressora. É uma crítica bem pouco ambiental mesmo. É parte da proposta. Não se preocupe, vou plantar uma árvore.