quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

CADERNOS DE LICENCIATURA

...Sem título...


por Liz Nátali e Daniel Córdova


- Por que é separado? Ah, tem a ver com uma estratégia do governo meticulosamente calculada para assegurar que se formem 10 pedagogos especializados em teatro a cada ano. É isso, certamente.
- E me parece que são apenas 10 vagas porque mais que isso o mercado de trabalho não comporta, não comporta, não comporta mesmo!
- Não sei, acho que fazem os vestibulares separados para fortalecer o curso de licenciatura e impedir que qualquer um do bacharelado faça licenciatura só pra ganhar dinheiro com educação.
- Mas eu ouvi uma história que quando os vestibulares de bacharelado e licenciatura não eram separados (?) ninguém fazia licenciatura não, então resolveram separar para obrigar que alguns professores se formassem!
- Eu não sei de mais nada...



No diploma de quem se forma em licenciatura em artes cênicas no CAC está escrito Educação Artística - habilitação Artes Cênicas. Esta questão se dá por um ajuste de nomenclaturas entre o CAC e as burocracias da rede pública de educação, isto é, nela só serão aceitos os profissionais formados, antes de mais nada, em Educação Artística.
Não se trata de pensarmos na nomenclatura em si, mas no significado de, depois de formados no curso de licenciatura do CAC, termos a permissão de ingressar como professores de educação artística na rede pública. É muito claro que o curso de licenciatura do CAC não se direciona e muito menos se restringe à formação de professores do ensino formal da rede pública - embora alguns de nossos professores sejam fervorosos na crença de que estejamos aptos a trabalhar o ensino de teatro, seja lá o que isso signifique, em uma classe de 50 alunos em 2 aulas semanais de 50 min, ou 45 min na rede municipal. O pensamento de que talvez o curso não deva mesmo se restringir a isto pode ser legítimo, principalmente se pensarmos naqueles que desejam desenvolver alternativas ao ensino público, cada vez mais sucateado. A questão que se coloca é: o curso de licenciatura do CAC se direciona a alguma coisa?
A nosso ver, o que marca essa habilitação é a ausência de qualquer conceito educacional. Um exemplo disso é que somos livres para estagiar em lugares muito diferentes, de forma que uma mesma turma pode ter pessoas observando escolas particulares, públicas e ONGs ao mesmo tempo. Isso pode ser interessante pela possibilidade do diverso, mas negativo quando as discussões sobre os estágios permeiam exatamente as mesmas bases teóricas e vão de um tipo de educação a outro sem muito explorar seus contextos. Isto culmina numa análise extremamente superficial dos diferentes conceitos de educação do ensino formal (instituição escolar) e do ensino informal (ONGs, ação cultural...), conduzida por bases subjetivas e opinativas, quando muito. Um dado interessante é que se houvesse uma proposta em que uma turma se restringisse a estagiar somente na rede pública durante um semestre, muitos teriam que deixar de seguir o "cardápio da Malu" (opções de lugares para estagiar com profissionais de confiança da professora Maria Lúcia Pupo - em sua maioria formados no CAC), já que atualmente existe neste "cardápio" um número reduzido de professores da rede pública. Sintomático? Talvez.
Embora seja indiscutível a necessidade de que nossas bases teóricas ligadas à área de educação e de teatro-educação, tais como Piaget e Viola Spolin, sejam adaptadas aos contextos em que são aplicados, nosso curso não vai muito além desta identificação óbvia. Saímos do curso sabendo seguir as receitas de bolo de Viola Spolin (e com alguma sorte até questionando-a de forma fundamentada), mas com uma fraca reflexão sobre os possíveis significados da Educação Artística com habilitação em Artes Cênicas nos diversos conceitos e contextos educacionais existentes.
Tudo isso faz com que o espaço de licenciatura do CAC (e isso não é um problema restrito ao CAC, mas que abrange todo o pensamento neoliberal da USP que coloca, por exemplo, na disciplina Metodologia do Ensino de todos os cursos uma carga horária muito superior a qualquer outra disciplina de licenciatura) acabe sendo reduzido, talvez de forma inconsciente e inocente, a um processo de instrumentalização do profissional pedagógico da área teatral, isto é, o pensamento intelectual que poderia se aprofundar nas complexidades do campo da educação e do teatro-educação, dá lugar àquilo que seria cobrado no tal mercado de trabalho. É claro que a metodologia importa, porém no momento em que ela está sozinha sem aprofundamento de definições conceituais contextualizadas, ela estará pronta para reproduzir um senso comum que impede qualquer possibilidade de verdadeira transformação.
Se por um lado, o curso de licenciatura do CAC pensa o teatro-educação de forma ampla, possibilitando que os discentes sigam suas respectivas vontades no que diz respeito ao campo profissional da pedagogia em teatro, por outro perambula de forma rasa nas muitas possibilidades de aprofundamento em relação aos assuntos educacionais. Diante disto, a fim de que possamos transcender esta situação, é preciso que, com base em teorias consistentes ligadas à educação, os lugares do teatro-educação sejam identificados e problematizados. E para isso os possíveis direcionamentos do curso devem ser mais bem definidos, clareados e aprofundados. Só assim poderemos fazer jus à atual complexidade posta por todo o sistema educacional.

2 comentários:

Filipe disse...

Olá... Infelizmente não tenho tido oportunidade de acompanhar mais de perto a licenciatura do CAC, sempre fui um entusiasta e crítico do curso... Tanto por acreditar quanto por ser apaixonado por processos pedagógicos como forma de desenvolvimento humano, seja em qua área for... Como a minha preferência está no espaço da cena, mergulhei nesta especialidade. Faço este comentário a uma certa distância temporal, o que talvez me leve a cometer alguns equívocos. Compartilho das inquietações acerca da necessidade de analisarmos a educação no espaço público de modo mais profundo. Por outro lado ouso discordar que o curso instrumentaliza os discentes a seguir as cartilhas de teatro-educação. Vejo como ampla porém rica a rede de estágios oferecida, pois aparece como possibilidade de se analisarmos diferentes modalidades de investigação artística dos professores em questão, que são deafiados a formular propostas de fazer teatral em diferentes contextos. Quando estava no CAC tive a felicidade de me debruçar em discussões calorosas não tanto acerca de jogos ou equivalentes, mas sim de processos de ensino/aprendizagem, falência das instituições públicas ou incoerência de se vender um bem que é público: o conhecimento. Creio que isso foi dinamizado pela sorte de ter professores na faculdade de educação que alimentassem essas discussões, nomes com o Zé Sérgio e Júlio Groppa. Por outro lado, pesquisas como processos de ensino de teatro com foco nos estudos do pós-dramático ou dos novos conceitos de dramaturgia.
No entato, por estar dentro do Vocacional, percebo que algumas discussões vão bem mais além... Talvez isso se deva ao fato de lá não sermos observadores mas atuantes e responsáveis por estes processos. Enfim... Quis compartilhar algumas inquietações, mas não vou me prolongar porque sei que o post tá mt longo... Continuemos esse papo e tentarei aparecer na semana da mOstra.
Abraço
Filipe Brancalião

Liz disse...

Oi Filipe, legal as coisas que você levanta, mas não sei se elas se opõem tanto à discussão apresentada no texto. Também não acho que o curso nos instrumentaliza para seguir as cartilhas de teatro, até há um pensamento que procura coloca-las em questão, mas acho sim que em outros sentidos a instrumentalização acontece, isso não seria ruim, se pensarmos na necessidade de desenvolver reflexões acerca dos métodos utilizados em processos de teatro-educação, mas, recuperando a idéia do texto, não acho mesmo que este estudo dos métodos seja realizado de acordo com cada contexto de modo profundo, isso é problemático, já que, desta forma, o conceito de teatro-educação é tratado como algo universal. A opção de estagiarmos em lugares de diferentes contextos também me parece interessante, mas no instante em que as discussões possuem as mesmas bases teóricas e/ou as bases opinativas temos um exemplo do tratamento universal do teatro-educação. [estou me repetindo, né?]
A impressão que tenho é que a formação do curso nos capacita para sermos sensíveis a processos de teatro-educação e nos dá alguma base na relação dos diversos conceitos de teatro com um plano geral da educação. Mas, apesar de considerar isso importante, acho insuficiente o espaço de pensamentos aprofundados sobre os conceitos de educação e dos possíveis lugares que o teatro-educação pode ocupar nestes conceitos.
A meu ver, dentro do que o curso nos oferece, falta estudo e contato mais aprofundado com grandes pensadores..
Mas, ainda tenho algum tempo no CAC, acho que até eu me formar as reflexões vão tomando novas formas..
Beijos
Liz